Nem por um minuto, minha mãe disse: papai noel existe e vai trazer presentes para quem foi bonzinho. Nem minha mãe nem meu pai disseram.
Os dois acreditavam, e muito, na imaginação, mas dispensavam mitos.
Todos os anos, sem subterfúgio algum, o pinheirinho de Natal era montado por ela com a ajuda de quem quisesse cooperar em plena luz do dia. A árvore era pequena, não deveria ter mais de 80 ou 90 centímetros. As bolas eram vermelhas. E além delas, só uma estrela era acrescentada.
Depois, também com a cooperação de quem quisesse, ela saía para comprar um presente para cada pessoa que, de um modo ou outro, fizesse parte do rol dos afetos de nossa família.
Nós: meu pai, meus irmãos, a madrinha da família (sim, tínhamos uma madrinha coletiva), a Tere, nossos primos, tios, as avós, afilhados, amigos íntimos e funcionários da casa, de meu pai ou de nosso campo e eu éramos lembrados.
E cada presente era único por ser escolhido.
Nada era uma obrigação, uma mera compra.
Em cada coisa escolhida havia pensamento, verdade e carinho.
E essas compras só existiam porque meu pai trabalhava sem parar, atendendo com o mesmo zelo e respeito todos os pacientes.
Éramos privilegiados pela força e vocação dele e não porque fossemos especiais.
Meu pai era.
Em um único consultório, com duas salas de espera diferentes (por intolerância de alguns sempre equivocados sobre o ser humano), alternava o atendimento entre os que podiam pagar, entre os que o recompensavam com bolos, frutas, galinhas, xícaras, objetos afetivos de suas famílias e entre os que não podiam oferecer nada além de um genuíno muito obrigado, doutor.
Minha mãe amava esse meu pai. Sentia imenso orgulho dele.
Meu pai amava a minha mãe.
Ambos amavam a humanidade abundante que exalavam.
Não nos mentiam.
Não nos iludiam.
Falhavam. Tentavam corrigir-se.
Falhávamos. Tentavam nos corrigir.
Sonhavam para nós uma vida correta, honesta, amorosa sem esconder o quanto ela poderia ser inesperadamente injusta, cruel, desumana.
Meus pais gostavam imensamente de ler. O pai ainda mais que a mãe. Lia os russos, memorizava os nomes e centenas de apelidos de cada personagem sem dificuldade alguma.
Compreendia Dostoiévski. Compreendia o mundo.
Lendo O Idiota compreendo um pouco melhor a todos.
Eu gosto de ler os russos.
Esse presente ele me deu.
"Não se deve esconder nada das crianças sob o pretexto de que são pequenas e ainda é cedo para tomarem conhecimento. Que ideia triste e infeliz! E como as próprias crianças reparam direitinho que os pais acham que elas são pequenas demais e não entendem nada, ao passo que elas compreendem tudo. Os grandes não sabem que até nos assuntos mais difíceis, a criança pode dar uma sugestão sumamente importante." (Dostoiévski)
Os dois acreditavam, e muito, na imaginação, mas dispensavam mitos.
Todos os anos, sem subterfúgio algum, o pinheirinho de Natal era montado por ela com a ajuda de quem quisesse cooperar em plena luz do dia. A árvore era pequena, não deveria ter mais de 80 ou 90 centímetros. As bolas eram vermelhas. E além delas, só uma estrela era acrescentada.
Depois, também com a cooperação de quem quisesse, ela saía para comprar um presente para cada pessoa que, de um modo ou outro, fizesse parte do rol dos afetos de nossa família.
Nós: meu pai, meus irmãos, a madrinha da família (sim, tínhamos uma madrinha coletiva), a Tere, nossos primos, tios, as avós, afilhados, amigos íntimos e funcionários da casa, de meu pai ou de nosso campo e eu éramos lembrados.
E cada presente era único por ser escolhido.
Nada era uma obrigação, uma mera compra.
Em cada coisa escolhida havia pensamento, verdade e carinho.
E essas compras só existiam porque meu pai trabalhava sem parar, atendendo com o mesmo zelo e respeito todos os pacientes.
Éramos privilegiados pela força e vocação dele e não porque fossemos especiais.
Meu pai era.
Em um único consultório, com duas salas de espera diferentes (por intolerância de alguns sempre equivocados sobre o ser humano), alternava o atendimento entre os que podiam pagar, entre os que o recompensavam com bolos, frutas, galinhas, xícaras, objetos afetivos de suas famílias e entre os que não podiam oferecer nada além de um genuíno muito obrigado, doutor.
Minha mãe amava esse meu pai. Sentia imenso orgulho dele.
Meu pai amava a minha mãe.
Ambos amavam a humanidade abundante que exalavam.
Não nos mentiam.
Não nos iludiam.
Falhavam. Tentavam corrigir-se.
Falhávamos. Tentavam nos corrigir.
Sonhavam para nós uma vida correta, honesta, amorosa sem esconder o quanto ela poderia ser inesperadamente injusta, cruel, desumana.
Meus pais gostavam imensamente de ler. O pai ainda mais que a mãe. Lia os russos, memorizava os nomes e centenas de apelidos de cada personagem sem dificuldade alguma.
Compreendia Dostoiévski. Compreendia o mundo.
Lendo O Idiota compreendo um pouco melhor a todos.
Eu gosto de ler os russos.
Esse presente ele me deu.
"Não se deve esconder nada das crianças sob o pretexto de que são pequenas e ainda é cedo para tomarem conhecimento. Que ideia triste e infeliz! E como as próprias crianças reparam direitinho que os pais acham que elas são pequenas demais e não entendem nada, ao passo que elas compreendem tudo. Os grandes não sabem que até nos assuntos mais difíceis, a criança pode dar uma sugestão sumamente importante." (Dostoiévski)
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